nas cartas as pessoas são, por vezes, mais abertas do que nos textos para publicação

de Pedro Baptista, autor de O Milagre da Rua Amarela a que já fizemos aqui referência neste blogue, recebemos o seguinte comentário à Correspondência Jorge de Sena / João Gaspar Simões:

Caríssimo:

O mês passado dei um salto ao Porto e comprei a obra na livraria da FLUP. Deixei-a em casa mas tive tempo, antes de retornar para a China, para dar uma vista de olhos no carteio e ler atentamente o seu prefácio que está excelente. Da vista de olhos, retirei logo diversas novidades e informações preciosas que me tinham dado jeito aquando da escrita do “Milagre”. Por exemplo fiquei a saber que o Sena escreveu sobre o Augusto Saraiva. Em fins de Setembro vou ao Porto e vou ler todo o epistolário que publicou Sena-Simões. Espero que persista com esse tipo de atividade utilíssima para o conhecimento do pensamento português contemporâneo, porque nas cartas as pessoas são, por vezes, mais abertas do que nos textos para publicação.

Pedro Baptista

correspondência entre joão gaspar simões e jorge de sena

Sai este mês, pelos bons ofícios da editora Guerra & Paz, a edição da correspondência entre Jorge de Sena e João Gaspar Simões, amigo e companheiro de Delfim Santos desde os inícios dos anos 30 – época pioneira do ‘presencismo’ – e tempos de ambos como estudantes em Coimbra, um terminando o seu longo curso de dez anos na Faculdade de Direito em julho de 1931, o outro iniciando em outubro desse ano, na Faculdade de Letras, as cadeiras pedagógicas essenciais para a sua carreira de professor dos liceus. Gaspar Simões seria constante convivente de Delfim Santos – sobretudo desde finais dos anos cinquenta até à morte do amigo – tornando-se mesmo seu compadre quando nasceu o último filho de Delfim Santos, aliás o organizador desta edição.

Teria eventualmente sido por via de Adolfo Casais Monteiro, o terceiro diretor da presença e condiscípulo de Delfim Santos no Porto, que teria nascido a amizade com os outros dois diretores da mítica “folha”, Gaspar Simões e José Régio? É certo, porém, que Delfim Santos mantinha próximo convívio (epistolarmente copioso também) com outros dois seus condiscípulos portuenses que integravam o círculo próximo de José Régio: Álvaro Ribeiro e José Marinho. Só com mais edições de carteios poderão estes percursos ser fielmente reconstituídos.

Delfim Santos foi a única figura da universidade portuguesa que acolheria plenamente a presença e o seu programa estético, num tempo aliás em que os escritores e as universidades estavam de costas totalmente voltadas, isto porque a outra figura universitária interessada pelos movimentos literários do seu tempo, Vitorino Nemésio, alimentava uma difícil relação de rivalidade com José Régio.

Delfim Santos foi também o autor da fotografia que hoje ilustra a página de Gaspar Simões na wikipedia, obtida quando juntos estanciavam na casa que a pintora Maria Helena Vieira da Silva, então em Paris, conservava em Sintra, e cujas chaves deixara ao cuidado da escritora Isabel da Nóbrega, à época companheira de Gaspar Simões, com o encargo de a visitarem e arejarem aos fins de semana.

Menos conhecida é a fotografia que aqui se publica, onde figuram em pé Delfim Santos ao lado de Gaspar Simões e sentados seu filho Rodolfo Delfim Santos e Jorge Tavares Rodrigues, jornalista irmão do escritor Urbano Tavares Rodrigues (estes igualmente dois grandes amigos de Delfim Santos). O local é a varanda de um apartamento, na rua José Florindo em Cascais, que a irmã de Isabel da Nóbrega alugava para veraneio:

DelfimSantos_GasparSimoes_JorgeTRodrigues_Rodolfo

Pode obter aqui a introdução ao volume:

FilipeDSantos_Intr_JorgedeSena-GasparSimoes_2013_

capa_senasimoes

henry miller discutindo o amor… com delfim santos, natália correia e david mourão-ferreira

“Em 15 de maio de 1960, Henry Miller escreve uma carta de Lisboa. Alguns dias em Portugal e no Algarve, conheceu Natália Correia e David Mourão-Ferreira, com quem discutiu… o Amor.

Ele viera para Portugal porque uma vidente lhe assegurara que o nosso país lhe seria favorável, ele andava à procura do paraíso.

Viajando para Lisboa encontrou, numa livraria da Avenida de Roma, João Gaspar Simões a quem perguntou quem havia interessante para conhecer em Portugal. O falecido crítico literário indicou-lhe Natália Correia. E foi assim que, numa bela noite, ele foi bater à porta da escritora, na Rua Rodrigues Sampaio.

“Natália Correia?” – perguntou Miller.

“Henry Miller?!!” – respondeu, espantada, Natália Correia, que não fora avisada da chegada do escritor.

Ela estava a discutir, com um grupo de gente ligada aos meios intelectuais, entre os quais Delfim Santos e David Mourão-Ferreira, o tema do Amor. Miller entrou, sentou-se e discutiu com os presentes esse assunto palpitante. Podiam falar em português porque Miller, que sabia espanhol, entendia bem o diálogo.

Henry Miller foi entrevistado para o Jornal de Letras e Artes e teceu os maiores elogios à anfitriã daquela noite memorável”.

O Jornal, 09/11/90