henry miller discutindo o amor… com delfim santos, natália correia e david mourão-ferreira

“Em 15 de maio de 1960, Henry Miller escreve uma carta de Lisboa. Alguns dias em Portugal e no Algarve, conheceu Natália Correia e David Mourão-Ferreira, com quem discutiu… o Amor.

Ele viera para Portugal porque uma vidente lhe assegurara que o nosso país lhe seria favorável, ele andava à procura do paraíso.

Viajando para Lisboa encontrou, numa livraria da Avenida de Roma, João Gaspar Simões a quem perguntou quem havia interessante para conhecer em Portugal. O falecido crítico literário indicou-lhe Natália Correia. E foi assim que, numa bela noite, ele foi bater à porta da escritora, na Rua Rodrigues Sampaio.

“Natália Correia?” – perguntou Miller.

“Henry Miller?!!” – respondeu, espantada, Natália Correia, que não fora avisada da chegada do escritor.

Ela estava a discutir, com um grupo de gente ligada aos meios intelectuais, entre os quais Delfim Santos e David Mourão-Ferreira, o tema do Amor. Miller entrou, sentou-se e discutiu com os presentes esse assunto palpitante. Podiam falar em português porque Miller, que sabia espanhol, entendia bem o diálogo.

Henry Miller foi entrevistado para o Jornal de Letras e Artes e teceu os maiores elogios à anfitriã daquela noite memorável”.

O Jornal, 09/11/90

as cátedras de café

Meu caro Filipe:

As questões relativas à frequência de tertúlias e “cátedras de café” por parte de Jorge de Sena nunca me ocuparam e só agora, a partir das inquietações que me expõe, se me afiguram como um tema bem interessante de pesquisa. Para uma resposta mais segura, o melhor seria começar por rastrear eventuais menções na correspondência, editada e inédita. Mas, mesmo assim, a julgar pelo que me lembro de ter lido no diário que JS escreveu em 1953/54 (e li-o atentamente algumas vezes), talvez o resultado não seja o esperado. Quer dizer, aí os registros sobre esse tipo de convívio com seus contemporâneos são bem escassos, o que nos leva a hesitar entre se foram mesmo eventuais, ou se JS não lhes atribuía a importância que talvez lhes devesse atribuir. E ainda: nos depoimentos de JS que conheço, também não me recordo de referências a essa forma de sociabilidade citadina

G. S.

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Caríssima G.;

A questão das tertúlias é essencial. Elas eram as únicas tribunas para a intelligentsia pensante do país que não tinha entrada nas universidades (et pour cause…) e que, portanto, se não fosse para falar com a mulher e os filhos em casa onde iriam eles ter quem os escutasse? Na verdade o telefone quase nem existia nessa época ou estava a começar em Lisboa e aí tem vc. a causa da importância deste assunto – era nestes lugares que eles trocavam pontos de vista e cruzavam opiniões. Alguém disse que nas mais exaltadas se depunham governos pela manhã e se os reinstalavam pela tarde, tais eram os fervores tertúlicos dos conturbados tempos da República Velha portuguesa.

Os cafés eram pois verdadeiras, não direi cátedras, mas sociedades e academias de pesquisa e debate sobre temáticas literárias, estéticas, artísticas, políticas, etc. Uma tradição que vinha, obviamente, de Paris. Toda a correspondência entre Delfim Santos e Jorge de Sena está perpassada pela importância desses grupos e da filosofia de vida tertúlica, reunindo cada um deles em dias fixos em seu café próprio. Mais alguma coisa se encontra nesse artigo que publiquei em 2011 na Nova Águia n.ª 8.

Já perguntei pelos cafés à Mécia e ela de nada se lembra e com razão pois como é sabido as tertúlias não eram frequentadas pelas senhoras casadas, nem aliás pelas não-casadas (o António Quadros Ferro fala da Natália mas, mesmo tratando-se do caso pouco convencional que ela era, acredito que fosse admitida ocasionalmente e não como regular). Elas tinham o modelo igualmente francês dos salons, também muito concorridos, onde aconteciam saraus de piano, leituras de poesia, etc. e onde aí sim compareciam muitos homens, senhoras e casais. Alguns desses salons literários eram extremamente influentes, como o que tinha lugar em casa da mesma Natália e onde se receberam escritores estrangeiros do porte de um Henry Miller por exemplo.

F. D. S.