delfim santos e kierkegaard 3

Kierkegaard_1

“(…) Delfim Santos (1907–66), who started mentioning Kierkegaard regularly as early as 1933, i.e., before Casais Monteiro’s translation of The Sickness unto Death. In the essay “Dialéctica Totalista” (Presença, vol. 2, no. 39, 1933) Delfim Santos reviewed the theory of stages and the concept of liberty as action (see Obras Completas de Delfim Santos, vol. 1, Lisbon: Fundação Gulbenkian 1971, 31–38).

On the other hand, Delfim Santos’ influence was predominantly institutional; a professor at the University of Lisbon, he was, among (Leonardo) Coimbra’s disciples, the one who left an indelible presence in Philosophy and Pedagogy Studies until his death. Though he did not hold a Philosophy chair, he was the head of the Pedagogical Sciences Department for almost twenty years; this enabled him to influence various generations of graduate students who had to pass difficult entrance examinations to be admitted to teaching posts at public secondary schools. In an “In Memoriam” article, his role as professor and his philosophy (including the role of Kierkegaard in his thought) are acknowledged by eight representative personalities of his time (from editors to academy colleagues). See “Delfim Santos: um Destino Português”, O Tempo e o Modo, nos. 43–4, 1966, 1080–1101.
Delfim Santos read Kierkegaard in German, and his main philosophical interest and points of references were Heidegger and Nikolai Hartmann; he contributed regularly to general and philosophical publications and to the daily press, besides publishing four main works. From 1933 until one of his last articles in 1966, he made constant reference to Kierkegaard, though he focused especially on his role in the emergence of the philosophy of Heidegger and on his influence on existentialism. He always underscored the unique nature of Kierkegaard’s thought, accurately presenting the philosopher’s point of view on irony, subjectivity, anxiety, despair, among other key concepts, not forgetting to signal the first centenary of Kierkegaard’s death in the opening speech of the first Philosophy Congress in Portugal in 1955. Among other texts by Delfim Santos, see “The Value of Irony” (“O valor da Ironia,” 1943, in his Obras Completas, vol. 1, 349–353); “The Existential Meaning of Anxiety” (“Sentido Existencial da Angústia,” 1952, in his Obras Completas, vol. 2, 154–164); “Jaspers in Contemporary Philosophy” (“Jaspers na Filosofia Contemporânea,” in his Obras Completas, vol. 2, 268–279); “Philosophy as Fundamental Ontology” (“Filosofia como Ontologia Fundamental,” in his Obras Completas, vol. 2, 213–216)”.

Elisabete de Sousa

Texto completo aqui: ESousa_Kierkegaard_s_Intern_Reception_Southern_Central_and_Eastern_Europe

delfim santos e kierkegaard – 2

“Até ao final dos anos quarenta (…) haverá apenas a destacar, entre o escasso número de artigos publicados até então, a circunstância de já em 1933 haver sido publicado o primeiro ensaio de Delfim Santos em que o filósofo dinamarquês surge como uma das figuras de referência. Autor de vasta bibliografia em que predomina a exposição de um pensamento existencial marcado pela fenomenologia e pela influência de N. Hartmann e M. Heidegger, Delfim Santos publicaria até ao final da sua vida outros sete artigos nos quais aborda o pensamento de Kierkegaard, sem que nenhum deles seja, contudo, de exclusiva incidência em Kierkegaard; porém, nos momentos em que com maior ou menor ênfase menciona o pensamento do filósofo, Delfim Santos atribui-lhe um papel relevante no desenvolvimento temático de cada um desses artigos, com especial incidência em tópicos como a ironia, a subjetividade, a angústia, o desespero, a influência em M. Heidegger e em E. Husserl, e nos existencialistas franceses”.

Elisabete de Sousa, Kierkegaard em Portugal, Um Dinamarquês Universal – Søren Kierkegaard, Lisboa: BNP, 10.

Sobre este resumo da relação Kierkegaard / Delfim Santos haveria a observar o seguinte: a primeira chamada de atenção de Delfim Santos para Kierkegaard sai na revista Presença em 1933 e reporta-se, sem o nomear, ao Diário de um Sedutor como exercício de análise experimental e fria do amor (que serviu durante a sessão inaugural da mostra de ontem para interessantes aproximações ao caso Ofélia de F. Pessoa). Tinha então Delfim Santos 26 anos e ainda não viajara nem sabia alemão, algo que só acontecerá em 1935, pelo que é possível que tenha usado a tradução portuguesa do Diário de 1911, de Mário de Alemquer, ou outra francesa.

Entre este texto e o ano de 1943, a que pertence “O Valor da Ironia” – segundo texto da mostra – foi esquecida a tese de doutoramento Conhecimento e Realidade, Lisboa: Imprensa Portuguesa, 1940, onde existem 3 observações importantes sobre Kierkegaard: terá sido esta a primeira tese de doutoramento portuguesa a referir-se à sua obra?

Por fim, no parágrafo de Elisabete de Sousa falta ainda a conferência de Delfim Santos sobre Kierkegaard, que está atestada documentalmente em carta de que lhe facultei cópia e que terá sido a primeira que em Portugal teve por tema o pensador dinamarquês. Um texto a recuperar.

Este pioneirismo recorrente de Delfim Santos deve-se à sua dupla inserção: mental e culturalmente viveu num tempo europeu que ele conhecera nas fontes, junto aos grandes pensadores com quem convivera e trabalhara; porém, vivencialmente debatia-se com um meio cultural português estagnado e muito desfasado do que entretanto acontecia na Filosofia, na Ciência, na Pedagogia por esse mundo fora. O eterno preço a pagar pela periferia lusitana.

Quanto ao “pensamento existencial” de Delfim Santos: seria melhor escrever que foi expositor das correntes da filosofia da Existência (e não só do Existencialismo à la mode nos anos 50) por solicitação do seu tempo e não por adesão própria, como ele mesmo teve ocasião de o dizer. Acontece que quando Delfim Santos expunha Platão davam-no como platónico, se discorria sobre Aristóteles era peripatético, se falava de Séneca já o tinham por estoico, se sobre Montaigne era cético, e assim por diante, isso se devendo, conforme os testemunhos de seus alunos, mais ao poder de sedução da sua palavra e ao seu talento de professor do que a uma qualquer adscrição que não procurava, pois a veria como limitativa da liberdade do pensamento.

Domingos Monteiro, numa alocução na Academia das Ciências, descreveu bem essa ilusão criada no público e pelo público: “Dada a variedade dos seus interesses, a simpatia por vezes manifestada por doutrinas diversas e até opostas, Delfim Santos foi sucessivamente apodado – ele que detestava os rótulos – de platónico, aristotélico, hegeliano, bergsonista, existencialista, fenomenologista e não sei que mais. É possível que em determinados momentos da sua vida ele tenha sido cada uma destas coisas, mas o que ele foi sempre, e é isto que constitui a sua verdadeira grandeza, foi ele próprio”.