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Para uma leitura do fado:

Extraído de AA.VV., A Comunicação no Quotidiano Português, Lisboa 1984, pp. 30-34.

Os diferentes códigos culturais

(...) se aquilo a que chamamos realidade não é senão «o conjunto dos códigos através dos quais se estrutura a cultura considerada sob o ponto de vista da comunicação» e sem os quais «a realidade nem sequer seria acessível, compreensível e nomeável»8, então, e no que respeita ao fado, poderíamos falar em diversos códigos culturais que presidem à produção e reconhecimento do seu universo sígnico.
Um estudo semiótico-antropológico do fado numa sociedade complexa como a portuguesa de hoje poderia, assim, incidir sobre as diferentes matérias significantes e os vários níveis de codificação que operam no discurso fadista. De entre os códigos culturais que estruturam esse universo sígnico poderíamos enumerar, a título meramente exemplificativo, os seguintes:

Códigos paralinguísticos: estruturam a entoação vocal nas suas componentes de intensidade, altura e duração. Independentemente das variantes do aparelho fonético, há uma «paralinguagem» do fado. Por exemplo, nada mais culturalizado do que a chamada «voz fadista», cujo estereótipo foi descrito por Ramalho Ortigão («voz soluçada, quebrada na laringe»)9, Tinop [«entoação febril e húmida de soluços (...) voz inclassificável, sui generis, com modulações e inflexões não sujeitas ao jogo tirânico dos métodos de canto»]10, ou por eruditos estrangeiros como Gallop [«the fadista (...) sings in the curiously rough, untrained voice»]11. De resto, muitas das «cantigas a atirar» têm por mote a «performance» do fadista, medida em função da voz:

Venha o diabo à escolha
Não sei qual mais aprovar;
Que tu a cantar fadinhos
És mesmo um gato a miar
12.

Códigos cinéticos: respeitam aos movimentos do corpo. A gestualidade fadista tem muito também de convencional e de ritual. A pose do fadista, por exemplo, está abundantemente descrita: por Tinop (o fadista vemo-lo de preferência «sentado, cruzando uma perna sobre a outra e inclinando desleixadamente o tronco sobre o braço da guitarra que descansa na coxa, ou está levantado com o tronco caído negligentemente para cima do quadril, a perna encurvada com o pé para fora, o pescoço reteso como o de um galo a cucuritar, os olhos afogados numa agonia suave enquanto vai beliscando os arames da banza») ou por Gallop («with head thrown back, eyes half closed, ecstatic expression and body swaying slightly to the rhythm of the music»).

Códigos icónicos ou visuais: referentes à percepção dos objectos. Importantes para descodificar o interior duma taberna, um filme como A Severa ou a decoração very typical duma casa de fados.

Códigos arquitectónicos: a arquitectura pode ser considerada como uma linguagem que se apoia noutras linguagens. Assim um signo arquitectónico denota uma função (espacial) que por sua vez conota um outro significado (por exemplo, intimidade ou distancia social). As «portas de bater» de certas tascas lisboetas teriam uma função segunda de separar o espaço público (rua) do semipúblico ou interdito (às mulheres e aos menores). As «meias-portas» (ou «aventais-de-pau») na maior parte das ruas do Bairro Alto conotavam bordel nos finais do século XIX13. O termo ficou, de resto, na moderna gíria da prostituição: «estar com o avental de pau» é sinónimo de expor-se à janela ou à porta, prostituir-se14.

Códigos dos objectos: os objectos podem ser analisados na sua sistematização objectiva (sistema funcional) ou subjectiva ou simbólica (não funcional). Os pipos de vinho por detrás do balcão não denotam apenas recipientes para o vinho, mas denotam também taberna, tasca, lugar onde se bebe vinho.

Códigos do vestuário: Códigos do vestuário: embora débeis, como os códigos dos objectos e arquitectónicos, reestruturando-se em função da moda, não deixam de estar presentes no traje do faia ou faiante (escreve Alberto Pimentel que «uma vaga tradição alfacinha diz que o fadista se deu por orgulho de classe a designação de faia, medindo-se vaidosamente com o aprumo e elegância da árvore deste nome»)15. Ainda hoje temos traços desses códigos (exemplo: o xaile preto, o boné de pala). Ainda hoje temos traços desses códigos (exemplo: o xaile preto, o boné de pala).

Códigos musicais: na perspectiva de Eco, não há signos (inclusive os musicais) sem valor semântico. Assim, um som emitido pela guitarra portuguesa afinada para acompanhamento do fado remeteria para uma precisa posição num «campo culturalizado e organizado de outros sons»16.

Outros códigos: poéticos, linguísticos (como o calão), etc.

Notas:

8 Calzavara, Elisa, e Celli, Enrico, «Códigos culturales, lenguajes y comunicaciones de masas: materiales para una aproximación antropologico-semiótica», in Comunicación de masas: perspectivas y métodos, Barcelona 1978, p. 110.
9
Ortigão, Ramalho, «O Fadista», As Farpas, vol. VII, Lisboa 1970r, p. 177-178.
10 Tinop (Pinto de Carvalho), História do Fado, Lisboa 1903, p. 83.
11 Gallop, Rodney, Portugal, A Book of Folk Ways, Cambridge 1961, p. 246.
12 Apud Alberto Pimentel, A Triste Canção do Sul, Lisboa 1904, p. 71.
13 Cf. Sousa, Avelino de, Bairro Alto — Romance de Costumes Populares, Lisboa 1944, p. 58.
14 Cf. Pessoa, Alfredo Amorim, Os Bons Velhos Tempos da Prostituição em Portugal (antologia organizada por Manuel João Gomes), Lisboa 1976, p. 221.
15 Pimentel, A., op. cit., p. 45.
16 Eco, Umberto, As Formas do Conteúdo, 1971, trad. S. Paulo 1974, p. 211.

Bibliografia:

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COSTA, António Firmino & Maria das Dores GUERREIROO Trágico e o Contraste. O Fado no Bairro da Alfama, Dom Quixote, Lisboa 1984.

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PAIS, José Machado O enigma do "fado" e a identidade luso-afro-brasileira, Ler História 34, 1998, pp. 33-61.

Webgrafia:

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Amália

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Actualizado a 30 Jan 2013