Amália
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Amália:

Retrato de Amália por Júlio Quaresma

Dedicatória de um belo poema de Amália ao Autor destas linhasEu conheci Amália, após tantos anos a ouvi-la, sobretudo ao vivo, em extático deleite, desde que me conhecia e até onde podiam chegar as minhas pregressas memórias. E se o simples som do seu nome evocava já na minha infância a sacralização de uma Deusa (até ali quase inacessível), eu preferia contudo as suas interpretações mais recentes, e disse-lho nessa ocasião, porque nos verdes anos em que já se anunciava o que a sua voz viria a ser faltava ainda a profundidade, a espessura, o timbre magoado com que só a maturidade a podiam enriquecer. Lembro-me que sorriu como se fosse um cumprimento, como se eu, que entretanto tremia ao dirigir-lhe as minhas palavras de adorador confesso, estivesse a querer agradar-lhe. Possivelmente não concordou - quem não glorifica a sua juventude? Eu mantive a convicção de que a vida, se relativiza os sofrimentos, dá-lhes com o passar dos tempos a dimensão do irremediável, trocando-lhes por nostalgia aquilo que lhes retira em perturbação. E foi essa Amália gloriosamente triste, esse ícone a que as décadas iam conferindo uma vetustez sobre-humana, imortal, que eu um dia conheci, e que me marcou desde então para sempre.  Porque se a sua voz era excelsa, era-o também a sua personalidade doce e perspicaz, a sua sensibilidade extrema que faziam dela um ser excepcional, uma presença do Sublime num mundo que o é tão pouco, um exemplo de bondade e autenticidade a que nos era impossível resistir. Diz-se que Amália teve sorte, na sua vida e na sua carreira. Terá sido sorte ou antes a obra desse magnetismo que dela irradiava, e que nos subjugava tão profundamente? Quem com ela privou responderá pela segunda hipótese. E tudo aquilo que a vida lhe deu (e o mais que lhe poderia ter dado) ela mereceu-o plenamente.

É certo que Amália começou no fado, mas nunca foi uma fadista no sentido redutor deste cliché, antes uma cultora de todos os géneros, de todas as épocas musicais, de todos os estilos: se era arrepiante a transmitir uma tristeza de que o fado vive, era igualmente magnífica na interpretação de cantigas de amigo, de Camões, e de poetas seus contemporâneos, de textos estrangeiros até. A particularidade do canto amaliano, o fio que une as suas versões, é o alongamento das vogais (diástole) numa dicção defectiva e elíptica que sacrifica a consonantização das palavras, retomando o canto árabe onde Amália refrescou as raízes do seu estilo, ou os recursos do bel-canto operático, com os seus requebros de hipervocalização. Operando esta fusão de temas, de géneros, de estilos, e de ritmos, o fenómeno Amália é ímpar pela genialidade da sua intuição criadora de que o novo se faz (con)fundindo o antigo.

Deixo aqui, nesta página, a minha muito sentida homenagem a um talento infinito e a um coração gigante, e a memória de um encontro que me acompanhará para sempre. Bem-haja, Amália!

 

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Actualizado a 30 Jan 2013