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Ensino intercult. do port.

Ensino intercultural do português

Dez nótulas para reflexão:

Filipe D. Santos

1. A língua e cultura portuguesas não devem ser apresentadas como uma unidade, estereotipada e historicamente radicada nas zonas lusofalantes do continente europeu - pelo contrário, deve-se proporcionar uma panorâmica o mais alargada possível da lusofonia na escolha dos textos literários, e na apresentação da história da língua, incluindo, em classes avançadas, textos da papiação de Macau, Malaca, etc.

2. O mundo lusófono é um mundo plural, e ainda que por comodidade científica se ensinem apenas as normativas correntes num certo milieu (classe média urbana de Coimbra e Lisboa) os alunos deverão ser alertados para a variedade de pronúncias possíveis (e não apenas a do Brasil) e de variantes lexicais - p. ex. polonês (br.) é tão correcto como polaco (eur.).

3. A variante europeia deverá ser designada assim, e não como "português" versus "brasileiro", "angolano" etc., a fim de evitar considerar o português falado na Europa (e não só dentro das fronteiras portuguesas mas em zonas raianas de Espanha e na diáspora, sobretudo França e Luxemburgo), como de qualquer forma mais "português" que o português das outras zonas lusofalantes.

4. A própria designação de "lusofonia" tem sido muito contestada, uma vez que a filiação dos portugueses nos bandos de latrones e salteadores que outrora povoaram os Montes Hermínios é tão-somente mítica e criada para extrapolação política. Do ponto de vista linguístico o erro é mais grave, já que a raiz do português se encontra nos dialectos provinciais da pós-latinização, e não sobrevivem senão contributos onomásticos (topónimos e antropónimos sobretudo) das línguas pré-romanas. Seria o mesmo que ouvir os franceses usarem a expressão gallophonie, quando não falam "gaulês", pelo que se deve procurar uma alternativa mais correcta do ponto de vista linguístico e histórico.

5. Será benéfico proporcionar alguns conhecimentos sobre a origem histórica do português em que este não surja perante os alunos como uma descendência (decadência, simplificação) directa do latim vulgar mas como uma evolução dos dialectos galegos do Sul, o chamado galaico-duriense. Não só se realçaria assim o papel do galego como lingua madre do português, que em tempos foi um seu dialecto das localidades do Vale do Douro, como se contribuiria para evitar quaisquer estereótipos hispanófobos e "nacionalistas". http://members.tripod.com.ar/furyo/tercio.htm

6. De igual forma os contributos não europeus para o léxico português, principalmente do árabe mas também do persa e das línguas indianas e extremo-orientais devem ser postos em relevo sempre que se refira a influência do português no mundo e nas outras línguas, procurando um equilíbrio dinâmico em que o conceito de troca se sobreponha a quaisquer tiques coloniais "civilizadores".

7. Nas aulas de cultura, a história da Coroa e das gentes portuguesas não devem ser "branqueadas" pelo que as práticas escravocratas e genocidas das armadas, exércitos e colonos oriundos de Portugal deverão ser desassombradamente referidas, ainda que contextualizadas na geral rapina exercida pelos europeus sobre os povos da Ásia, África e Américas.

8. O aprendente de PLE não é um candidato à portugalização. Por razões do seu percurso vital, ou das suas origens (luso-descendência), ou da simples curiosidade filológica e cultural, ele candidata-se a aprender e falar uma língua que certamente veicula uma cultura plural, e nunca a esquecer a sua cultura ou a considerar, em caso algum, a língua e cultura portuguesas como superiores à sua de origem ou a quaisquer outras existentes no mundo. Pelo que o professor terá todos os cuidados em evitar exaltações "patrióticas" ou entusiasmos fáceis do tipo "a única língua que..." que resultam sempre do desconhecimento da variedade e riqueza das outras línguas humanas.

9. O aluno "luso-descendente" tenderá a criar uma imagem excessivamente idealizada de Portugal e de tudo o que seja português. Sem destruir o seu entusiasmo, fundamental em qualquer actividade de aprendizagem, o professor não hostilizará as razões que levaram os antepassados remotos ou recentes deste aluno a emigrar, e jamais lamentará este acto como se de uma "deserção cultural" se tratasse. A recuperação da língua e cultura portuguesas por este aluno deve ser vista como uma aproximação aos seus ascendentes, e jamais como uma recriminação ou crítica pela "perda" sofrida com o abandono desta língua pelos seus progenitores ou antepassados mais directos.

10. O professor deverá demonstrar conhecimentos de várias línguas e culturas, sobretudo extra-europeias, que confiram ao aluno não-europeu o necessário reforço identitário. Tenha-se em conta que nove décimos do mundo não-europeu conhece pelo menos uma língua de origem europeia, mas são pouquíssimos os europeus que falam alguma língua extra-europeia. Se tivermos em conta as estatísticas (em 2000 dos 6 biliões de seres humanos apenas 700 mil eram europeus, ou seja, pouco mais de um décimo), o professor de PLE, para não contribuir para este desequilíbrio, sentir-se-á motivado a aprender pelo menos uma língua não-europeia, sobretudo quando colocado em posto de docência não-europeu, sendo certos os benefícios culturais e linguísticos que dessa aprendizagem auferirá.

 

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Actualizado a 30 Jan 2013