Teixeira de Pascoaes
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Luísa Costa Gomes
Teixeira de Pascoaes
Alberto Pimenta
Poesia Satírica

Teixeira de Pascoaes

Extractos de «Defeitos da Alma Pátria»
Cap. X de Arte de Ser Português, 19202

(Bibliografia de Teixeira de Pascoaes)

Depois das suas virtudes, será também útil falarmos dos seus defeitos. Estes encontram-se presentemente nas pessoas dos portugueses: vivem. Aquelas existem hoje na Literatura, na Arte e na Poesia (…)
E se é certo que do pior se caminha para o melhor, deveríamos talvez tratar primeiramente dos defeitos da nossa Raça.
De resto, eu creio mesmo que o homem possui as qualidades dos seus defeitos... É possível que destes resultem aquelas, por contraste ou evolução criadora. Pode ser que o Bem não seja mais do que o Mal superiormente degenerado. Não foi assim, por degenerescência electiva, que o homem se destacou do orango? Se admitirmos tal teoria, o que nos não repugna, temos de olhar os nossos defeitos com esta vaga e lusitana consideração devida às coisas ruins:

Contigo, Senhor Diabo, Antes de bem que de mal. (DITADO POPULAR)

O bom senso nacional conciliou o culto divino e o maléfico.
Deus e o Demónio são incompatíveis em toda a parte, excepto em Portugal.

Um chabo
Ao diabo
Sempre se deu
(DITADO POPULAR)

Este bom senso deriva do nosso carácter espiritual e sensual. E eis a nossa comédia que se opõe, retemperando-o, ao trágico aspecto da nossa alma, dominada pelo Medo misterioso... Ao Medo, que é também o Demónio, prestamos um culto corruptor. No seu altar fantástico retine o cobre da nossa esmola...
É o bom senso do Povo, o espírito da sua comédia, a origem gloriosa da sua democracia medieval.
O Rei, por graça de Deus, governava conforme a vontade pública... ou demoníaca. Nas cortes gerais, a voz do Demo casava-se com a voz divina. E os dois princípios contrários do Direito político, em nome do bom senso, harmonizaram-se. Portugal viveu então politicamente uma vida superior que depois degenerou, passando o governo para a família real, e desta para uma família qualquer de apelido mais ou menos burguês e vegetal.
A antiga concórdia entre a Unidade disciplinadora e a livre Iniciativa quebrou-se, estabelecendo-se a confusão do Caos, no qual os elementos dissolvidos procuram animar-se de uma nova Simpatia que os organize.

FALTA DE PERSISTÊNCIA

Podemos dizer que o génio de aventura é uma virtude deste defeito. A aventura não tem continuidade na sua acção. Opera por impulsos que nem sempre se coordenam para um determinado fim. E por isso, a obra empreendida, muitas vezes, morre no seu início.
Quando uma virtude ou qualidade enfraquece, logo o seu defeito originário ganha nítido relevo. E assim o génio de aventura, decaindo, transformou-se na mais completa falta de persistência. Ela aparece em todas as manifestações da nossa actividade, a cada passo interrompida ou abortada, o que a torna tristemente caricatural.
Ei-la passeando o seu desânimo, pelas estradas que pararam, mortas de cansaço, a dois quilómetros do ponto de partida. E vive num belo edifício público sem telhado... (…)

VIL TRISTEZA

Também se pode dizer que a saudade é a virtude deste defeito.
(…) Que tragédia, a terrível ausência da nossa alma! o sonâmbulo automatismo em que vagueia a nossa Pátria sem destino, tão aleijada e apagada de feições que é difícil reconhecê-la! Será ela? Não será?
(…) A saudade, no mais alto sentido, significa a divina tendência do português para Deus; na sua expressão decadente, patológica, representa a tendência do português para o fantasma...

INVEJA

O sentimento de independência, o poder de individualidade, é também a virtude deste defeito.
A vil tristeza apagou-nos o carácter, o dom de ser. Somos fantasmas querendo iludir a sua oca e triste condição. Por isso, o valor alheio nos tortura, revelando, com mais clareza, a nossa própria nulidade.
A inveja é ainda uma reacção do indivíduo contra a morte; e a calúnia é a sua arma... (…)

VAIDADE SUSCEPTÍVEL

É outro defeito muito vulgar num Povo que foi grande e decaiu. Inferior e pobre, considera-se ainda possuidor dos bens arruinados. Continua a viver, em sonho, o poderio perdido. Mas, como toda a vida fantástica pressente o próprio nada que a forma, torna-se, por isso mesmo, de uma susceptibilidade infinita, sangrando dolorosamente, ao contacto de qualquer coisa de real que, junto dela, se ponha em contraste revelador da sua ilusória aparência.
O português é um herdeiro esbulhado dos seus bens materiais e espirituais. Mas vão dizer-lhe que é pobre! Suprema ofensa! Não ignora a sua pobreza, (mas) porque é vaidoso (…) quer que os outros a ignorem; e serve-se para isso de todos os meios que iludem, criando o seu drama em que é autor e actor. E engendra mil preconceitos, fórmulas, propícios à atmosfera de ilusão em que pretende viver acompanhado… E assim, o arrastar de uma espada já imprime heroicidade, dois termos de tecnologia científica embutidos na prosa amorfa de jornal já fazem o sábio, como duas rimas banais fazem o poeta, e um correio a cavalo uma entidade superior do Estado.
Elevamos quimericamente as pequenas coisas de hoje à grande altura das antigas. Fingimos a grandeza e o mérito perdidos. Representamos, enfim, o nosso Drama de sombras (…)

INTOLERÂNCIA

Este defeito é uma forma da vaidade susceptível que se alimenta da sua quimera dolorosa. Quem duvida do próprio valor não pode suportar a dúvida alheia que lhe diz, em voz alta e clara, o que ele mal se atreve a murmurar.
Mas a intolerância tem outra origem mais positiva; é ainda um processo de defendermos os nossos interesses.
Se é uma utilidade para mim a seita (política, religiosa, etc.) a que eu pertenço, os princípios que esta segue, compete-me torná-los dogmáticos, absolutos, indiscutíveis. Sim... porque discutir uma ideia é pô-la em conflito com a verdade.
(…) A intolerância defende os interesses de uma seita e imprime à criatura o mais odioso fácies! (…)

ESPÍRITO DE IMITAÇÃO

Quando o carácter adoece e se dilui, é natural que o espírito de iniciativa dê lugar ao imitativo ou simiesco. A degenerescência inferior apaga os valores adquiridos que se conservam, em nós, como que num estado de perpétuo esforço. Sempre que o homem hesita na sua humanidade, aparece o macaco. Este persegue-nos constantemente, vigiando-nos, e aproveitando o primeiro descuido da nossa pessoa, para se lhe substituir.
(…) É certo que a decadência de um Povo lhe destrói a faculdade inventiva e iniciadora.
Estes defeitos, que felizmente não atingem todas as classes sociais, representam, afinal, a queda do espirito de sacrifício, a quebra da relação entre o indivíduo e o seu destino (…).

 

 

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Actualizado a 30 Jan 2013