Simpática e elogiosa a resenha de Mônica Fagundes (MF) ao meu trabalho de edição do carteio Jorge de Sena / Delfim Santos. Embora sem aprofundar, a resenhista soube ler o mais relevante desse diálogo. Mas discordo absolutamente das “afinidades estéticas e ideológicas” entre Sena e Delfim. Teria preferido que parasse no “estéticas” e que eventualmente encontrasse outras que não “ideológicas”.
Ideologia e filosofia não quadram: e se eu duvido que MF conheça a “ideologia” de Sena, que eu não sei qual possa ser, estou absolutamente certo de que Delfim Santos não teve nenhuma e que reputaria todo o prêt-a-penser como o flagelo do século XX – que substituiu as crenças religiosas pelas ideológicas sem ganho para a humanidade mas com grande perda: afinal foi por causa de “ideologias” que a Europa se suicidou coletivamente na Guerra de 39-45; foi por causa de “ideologias” que o ensino técnico, tão necessário no parecer de Delfim – parecer subscrito por Sena -, foi destruído em Portugal em 1975; foram precisamente as ideologias que em Portugal corporizaram a “mentalidade tacanha que combatia todo pensamento novo e não gregário, todo movimento autónomo” como MF refere, que sufocaram o questionamento e ostracizaram os homens incómodos.
As ideologias são precisamente a negação do dever e não só “do direito de cada homem às suas escolhas, àquilo que se chamaria a sua coerência própria, seu carácter, sua filosofia (…) sua vida como a quiser conduzir”. A este dever poderia chamar-se o dever de não ideologizar, de recusar toda a comodidade de repetir ideia alheia e sobretudo o de nunca supor ter encontrado respostas para tudo – em lugar de sempre questionar e desafiar todas as respostas.