Filipe Delfim SANTOS e José António ALVES (org.), Escola de Braga: A correspondência com Delfim Santos, Braga: Publicações da Faculdade de Filosofia, 2011, 142 pp.
Acabou de me chegar às mãos o livrinho organizado por Filipe Delfim Santos e José António Alves com o título Escola de Braga: A correspondência com Delfim Santos. O livro de 142 páginas foi editado pela Aletheia – Associação Cientifica e Cultural e impresso em dezembro de 2011.
Quanto à forma, o livro segue o formato habitual deste género de publicações. Uma introdução geral sobre os correspondentes e assuntos referidos na correspondência; a edição da correspondência, onde se descobrem cartas a Delfim Santos remetidas por Diamantino Martins, Severiano Tavares, José Bacelar e Oliveira, Lúcio Craveiro da Silva e Paulo Durão, com as respetivas notas para contextualização do leitor contemporâneo. Acresce ainda à publicação um posfácio, a bibliografia que reúne tudo o que se tem escrito sobre a Escola de Braga, alguns textos relevantes sobre os jesuítas e a história da ciência em Portugal e, por fim, um anexo com a publicação do texto de Delfim Santos, publicado no Diário Popular, sobre o Congresso Nacional de Filosofia de 1955.
Quando se fala de “Escola de Braga” está-se a referir ao que hoje conhecemos melhor por Faculdade de Filosofia de Braga da Universidade Católica Portuguesa. É a esta instituição que se dá, na história da cultura portuguesa, o nome de ‘Escola de Braga’.
A tese geral dos organizadores do livro é a de que a Escola de Braga desempenhou um papel relevante no renascimento da Filosofia em Portugal. Apresentam como argumentos: a organização do Congresso Nacional de Filosofia em 1955 e a tentativa de criação da Sociedade Portuguesa de Filosofia, mas também a organização curricular do ensino da Filosofia diferente daquela que se praticava nas universidades estatais da época, as publicações editadas pela Escola e o seu permanente desejo de diálogo com as correntes filosóficas e os filósofos contemporâneos nacionais e estrangeiros. A importância da Escola de Braga tem sido, de facto, reconhecida por diferentes historiadores nacionais e, inclusive, mereceu referência na História do Pensamento Filosófico Português coordenada pelo Prof. Pedro Calafate. No livro agora editado a maior novidade chega-nos da possibilidade de podermos conhecer, através da pena dos próprios intervenientes no processo, o modo como eles desenharam muitos dos passos que retrospetivamente se descobrem realmente relevantes para a cultura portuguesa. Julgo ser difícil ficar indiferente à leitura das cartas de Severiano Tavares ou à preciosa descrição de José Bacelar e Oliveira do seu encontro com o filósofo alemão Martin Heidegger.
A introdução faz uma síntese completa do que até ao momento se escreveu sobre a Escola de Braga e apresenta bem os principais assuntos abordados na correspondência. Nesse sentido é uma razoável porta de entrada no livro e que muito beneficiará o leitor na aproximação à correspondência. Contudo, a nosso ver, para o leitor mais informado, perde-se excessivamente em elementos históricos que são do conhecimento geral. Preferiríamos, para a nossa sensibilidade especulativa, ler no texto introdutório uma palavra mais vincada de relação entre o passado e o presente da Escola de Braga. A data da correspondência publicada remonta a um tempo da Escola bem diferente do atual. Na altura, a Escola de Braga era dirigida pelos jesuítas e os seus mestres eram jesuítas. O autor da introdução preferiu permanecer à sombra do ‘orgulho’ da história.
Por fim, ficou ainda por abordar, na Introdução, um tópico importante. A leitura dos textos de Delfim Santos pelos Bracarenses antes de ser conhecido e apresentado em Braga por Severiano Tavares. O filósofo portuense foi bem acolhido em Braga, mas apenas depois da amizade com Severiano Tavares. Antes, as impressões dos trabalhos de Delfim Santos não receberam os melhores elogios.
O posfácio do livro acaba por ser oportuno e complementar à introdução, sobretudo ao focar a importância do Congresso Nacional de Filosofia de 1955. Filipe Santos sublinha no posfácio o burburinho que a organização do Congresso, logo pelos jesuítas (!), provocou em alguns intelectuais do tempo. A notícia da carta de Eduardo Lourenço a Delfim Santos, de que o autor dá conta, sobre o Congresso que estava a ser organizado em Braga, é desse burburinho um exemplo interessante. Hoje a Companhia de Jesus em Portugal parece um pouco adormecida e, por isso, não levanta grandes problemas, mas nem sempre foi assim na história. O livro de José Eduardo Franco (2007) O Mito dos Jesuítas, Lisboa: Gradiva, trata muito bem do assunto. A Companhia de Jesus, fruto da capacidade de influência que teve sobre a cultura e os dirigentes nacionais, sempre levantou, em Portugal, muitas resistências e reticências. O receio do poder que a ordem de Inácio exercia na corte e nos ambientes intelectuais foi o principal motivo para o Marquês de Pombal muito se empenhar na expulsão dos jesuítas de Portugal e a lenda negra anti-jesuítica tem estado presente na sociedade portuguesa desde Pombal. Hoje estará adormecida porque a ordem também está mais adormecida em relação a tempo áureos passados. No entanto, esse mito parece despertar sempre que os jesuítas se movimentam de modo mais acutilante. Foi o que aconteceu em 1955 e foi certamente essa a razão de ser da carta do jovem Eduardo Lourenço. O posfácio informa que, acerca do Congresso, Eduardo Lourenço escreveu o seguinte a Delfim Santos: “Trata-se da Contrarreforma em todo o esplendor possível em 1955, trata-se de arregimentar o pensamento nacional sob uma cor única.” (p. 127). Mas, como disse, a Companhia de Jesus parece ter perdido capacidade de influência. Talvez por isso se compreenda que o Eduardo Lourenço da carta a Delfim Santos não se tenha importado de ser o mesmo que em 2003 assinou o prefácio à edição comemorativa dos 100 anos da revista Brotéria.
Concluindo: damos as boas vindas ao livro Escola de Braga: A correspondência com Delfim Santos pelas novidades históricas que nos oferece e por nos permitir a aproximação à subjetividade de várias personalidades que contribuíram com o seu trabalho para o enriquecimento da Cultura Portuguesa.
Mourão Jorge
Sociedade Portuguesa de Filosofia