Ontem, deambulando pelos escaparates de uma livraria, dei de chofre com um título que me despertou de imediato a atenção. Tratava-se das cartas trocadas entre o Sena e o teu pai, edição organizada por ti e com um pequeno texto da Mécia de Sena.
Num ápice devorei a tua introdução, lendo ao de leve algumas das cartas. Parabéns pelo teu trabalho, que não só dignifica o teu pai como traz ao de cima cartas desconhecidas do Sena, a quem dedico uma devoção sem limites desde os meus tempos de adolescente em África. Ainda me lembro do meu pai assinar O Tempo e o Modo e, num número que lhe era dedicado, ler esse poema fabuloso que era “Em Creta, com o Minotauro”, e lê-lo numa aula de português para espanto dos colegas e incredulidade da professora. Teria os meus 13 anos e muito do significado do poema me escapava, pela profundidade que um texto daqueles pode ter para um miúdo, mas aquela fluência tão particular quanto insólita me deixou perplexo e cativado. Enfim, memórias da minha adolescência, tão longínqua quanto próxima, agora que relembro o teu livro.
Descobri uma faceta do teu pai e do relacionamento dele com o Sena que ignorava por completo. Sendo dois intelectuais tão diferentes, eram, cada um à sua maneira, ambos exilados. O Sena, por contingências várias, a começar pela falta de reconhecimento académico que nesta choldra nunca poderia ter ou sequer lhe era permitido almejar. O teu pai, exilado interior, rejeitado naquilo que mais desejava que era ser professor de Filosofia. A pequena e mesquinha inveja afastou-os a ambos, um do país por o não merecer e outro no seu próprio país, por haver gente que o não compreendia ou não o queria sequer compreender, pelas razões que apenas afloras mas que denotam no essencial o mal da nossa academia: a pequenez de espírito, a defesa da courela profissional como se fosse um reduto de uns quantos eleitos. Uma tristeza!
Num país que sempre foi uma (má) tradução do francês, haver um intelectual como o teu pai que tinha influências mais vastas, sobretudo no mundo anglo-saxónico e germânico, só poderia dar em incompreensão ou ignorância crassa, que é outra forma daquela. Creio que o pensamento de teu pai, mais do que compreendido, foi apenas admirado porque poucos poderiam compreender o alcance e a dimensão dele. Pouco habituado a elucubrações filosóficas, o indígena propende mais para o facilitismo retórico, para o verbo que enche o olho mas que escapa ao espírito. Daí que, e temo estar certo, julgo que se torna premente divulgar a sua obra, como tu o vens vindo a fazer, dando a conhecer ao grande publico uma faceta como aquela transposta na correspondência com o Sena.
A edição pareceu-me bastante cuidada na sua simplicidade gráfica. No fundo, ambos os autores mereciam uma edição assim. Mais do que um tributo ao teu pai, penso que acabas por homenagear dois grandes vultos da cultura portuguesa. Ambos, enquanto seres superiores, merecem-no!
Um grande abraço,
LMF